segunda-feira, 13 de maio de 2024

 La muerte

Enquanto um tempo incerto me navega
Habita em mim erva amarga
Hoje por aqui choveu tanto
Pareceu até o nosso pago
minhas memórias umideceram
e as lembranças escapadas
Recordaram a casa, os sonhos e as promessas um tanto fatigadas.
Com a distância imposta e inacabada
Uma música toca desabitada
Traz um vazio e um frio repleto
Como um tango soa inabalada.
La ronda de lá muerte insiste em me cantar
E De passos retos e desertos
Vem perto assoprar:
A vida corre sem desejar destino
Pois ele surge sem avisar
Surpreende a todos em carro fúnebre
Traz flores sem nada mais.
E as lágrimas que exalam um perfume passado
Dançam com um tempo que já deixou
E as lágrimas que exalam um perfume pesado
Denunciam um tempo que se quebrou
Entre o futuro e o passado
Já não existe interlocutor.
La muerte então se vinga exaltada
Grita o óbvio nunca escutado
La muerte então se vinga exaltada
Que o destino é ela e não sem dor.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Sobre a morte da esquerda, lutas e greve

 

Safatle propôs uma reflexão na qual indica que a esquerda morreu, e que ela teria de se reinventar no contexto atual em que vivemos, tanto a nível brasileiro como mundial. A proposta de gerir o estado a partir de uma capitalização dos setores pobres da sociedade e ao mesmo tempo garantir a preservação dos ganhos da elite rentista parece ter esgarçado, caducado. E neste cenário, obviamente, a população pobre é quem cada vez mais fica sem nada, já que é inegociável, a qualquer governo, retirar os ganhos da elite rentista. Basta ver a pressão sofrida nos últimos meses no governo Lula na gestão da Petrobrás.

Nestas condições, o que Safatle percebe é um desgaste cada vez maior de uma suposta esquerda, que tenta jogar o jogo democrático capitalista e que não sai do lugar, e o crescimento de uma direita radical e fascista que se organiza mundialmente e que, eu ainda diria, sabe usar como ninguém a influência das tecnologias digitais e das redes sociais para se estabelecer e produzir uma narrativa própria e única.

Buenas, no todo, o diagnóstico do autor me parece acertar na mosca. Contudo, me surpreende um analista que admiro tanto analisar o cenário político com um viés tão idealista para pensar o que seria a esquerda nos dias atuais. Vivemos em uma sociedade de fluxos intensivos, de hibridismos inimagináveis até pouco tempo atrás. E na política não é diferente. Como, então, pensar em uma esquerda ideal na prática de um governo, que viraria o tabuleiro democrático capitalista com um estalar de dedos? Esta possibilidade existe? Penso ser um tanto ingênuo acreditar em tal via. Mais ingênuo ainda é crer em alguma revolução socialista ou algo do gênero. Estamos mais é para um trágico fim do humano por conta da voracidade do capitalismo que está levando o mundo ao colapso, no qual talvez não sobre ninguém para contar história.

Nas últimas semanas, na linha safatleana, se iniciou movimentos de greve nas Universidades Federais, primeiro com os técnicos, que já deflagraram greve, e agora com os professores, que a partir dos sindicatos começam a se enamorar com a greve. A greve se passa pela justa causa de aumento salarial e por ajustes nos planos de carreira, mas também por insatisfação com o terceiro governo de Lula. Por este ideal de esquerda, que espera, após as eleições, que o governo que colocaram no Planalto governe a partir de um norte progresssista, é que temos uma insatisfação que deseja greve.

Contudo, na minha opinião, isto me parece surreal, pois, imaginar que o governo Lula tem forças para radicalizar e sair dos trilhos da democracia capitalista, é muita falta de leitura do tabuleiro político nacional e internacional. Afinal, como dobrar um congresso que é o mais reacionário da história da democracia brasileiro pós ditadura? Como sair das chantagens? Lira está lá na presidência da câmera, sentado em centenas de pedidos de impeachment contra Lula. Ele tem o poder de dizer até onde o governo pode ir, quais ministros devem compor o governo, o quanto a bancada evangélica, da bala e do gado têm a receber de benefícios. Fora o orçamento secreto, que nada mais é do que a propina legalizada que o governo não pode mexer e que faz muita falta aos cofres públicos e aos projetos que poderiam estar sendo implementados no desenvolvimento do Brasil e não jogados sabe-se lá em que ralo. Enfim, temos um governo fantoche do congresso e, obviamente, da elite rentista. O que fazer? Enquanto base que votou a favor de Lula, começar a fazer chantagens a partir de greve tal como o congresso seria a solução? Será que esquecemos do governo fascista que precedeu Lula e que está aí louco para retornar? Afinal, a greve servirá para quê? Na minha opinião, só para desgastar este governo frágil e fortalecer a direita organizada e fascista.

Se querem fazer greve, se é desejado o protesto, que o façamos por uma causa justa, por algo que não apenas destrua este governo supostamente de esquerda que, em verdade, só consegue fazer ações de um governo de centro como diria Safatle, mas que, ao menos, barra o sanguinário governo fascista. Se a esquerda quer se reinventar, que não seja fragilizando o pequeno norte à esquerda que temos. Vamos para as ruas, façamos greve, mas para protestar contra este congresso chantagista, para indicar que apoiamos o governo Lula no que ele pauta a partir da esquerda, que indiquemos que queremos nosso governo de volta, que se retire o orçamento secreto e todas estas sanhas de poder deste congresso absolutamente cínico e corrupto, que se tenha cobrança valioso de impostos sobre grandes fortunas e sobre as igrejas, sobretudo as evangélicas corruptas, alienantes e produtora de fascismo e de direcionamento político da população.


https://aterraeredonda.com.br/causas-da-greve-nas-universidades-federais/


terça-feira, 23 de agosto de 2022

pai

 

sei que não estás mais aqui, o que, convenhamos, é um alívio para os que conviveram contigo, mas apesar disso desejo te enviar umas palavrinhas, mesmo que elas cheguem apenas para outros que venham a me ler na nossa nuvem internética e não na nuvem que supostamente nos conecta ao céu celestial

apesar de biologicamente ter sido meu pai, nunca sua falta me fez falta em certo sentido, mas em outros sentidos sua falta produziu marcas, mesmo que opacas, a primeira delas é de um objeto pai interrogação: quem é meu pai? quase nunca perguntava sobre meu pai a minha mãe e familiares maternos, só sabia notícias suas quando me repreendiam por ter feito algo de errado: “está fazendo igual ao teu pai”... nestes momentos descobria que não deverias ser boa coisa e que seu exemplo era reprovado

nos dias dos pais a interrogação vinha: quem é meu pai? este dia era um não dia para mim, não entendia o seu valor, era uma comemoração morta, na infância adotava pais a medida que algumas figuras de meu mundo me causavam admiração, afetos bons, segurança e apoio, minha mãe muitas vezes ocupou este lugar, mas no fim das contas meu pai adotivo foi meu avô materno, contudo tiveram meu dindo, primos e tios mais velhos, amigos de minha mãe, pais de amigos meus que, em algum momento, fizeram essa função, fora os malditos livros que minha mãe lia para sua faculdade de biblioteconomia  que faziam com que ela desviasse sua atenção em relação ao “filinho da mamá”, talvez, por alguma razão, fui ser alguém que mexe com livros e com palavras...

buenas, o tempo se esticou e quando vi completava 18 anos, um pouco antes desta idade tão simbólica era taxativo: não tenho o menor interesse em conhecer meu pai, contudo, entre os dezessete e dezoito anos algo foi mudando e reconheci o desejo de saber quem eras, aquele ponto de interrogação como pai era um bocado angustiante para adotar pelo resto da vida, te encontrei graças ao meu avô materno, que conhecia um familiar distante teu, antes comecei a te procurar pelo guia telefônico e, como sabia de sua má fama, o procurei via processos judiciais, lá achei diversos endereços que deixava a medida que transcorria sua “ficha corrida”

o primeiro encontro contigo foi amistoso, uma tentativa de buscar similaridades, as físicas eram óbvias, mas também tinham características de personalidade parecidas, o sangue quente dos londero era uma delas, via em mim, em ti e em grande parte dos familiares que acabei conhecendo certa personalidade que não leva desaforo para a casa, no todo foi bom te conhecer, pois um lado invisível meu se fazia agora visível, tia, avô e avó paternos, irmãs e irmão, primos e primas, foi ótimo conhecê-los, mesmo que pouco tempo depois toda a família fosse mais uma vez traumatizada por seus atos

nos distanciamos mais uma vez, apesar de eu conservar a relação com alguns parentes paternos, mas o fato é que sua pessoa só me causou ainda mais fantasmas, quem era meu pai? um monstro... como conviver com dias dos pais primeiramente vazios e posteriormente aterrorizantes? o dia dos pais era um dia morto e cheio de fantasmas

a vida seguiu seu rumo, fui me construindo em ziguezague, e apesar dos percalços acabei por ter bons encontros também

não tinha em mente formar uma família e muito menos ter filhos, mas aí chegou 2018, e bateu aquela vontade de experimentar ter uma família, de maneira desejada mas não planejada eu e minha companheira engravidamos no mesmo ano em que nos conhecemos, aliás, namoramos, fomos morar juntos e casamos tudo neste ano de numeração cabalística...

era julho de 2018 e soubemos da vinda de Mônica, agosto era logo ali e o dia dos pais se fez presente pela primeira vez para mim, não foi um domingo morto, angustiante, sem ter o que fazer, foi um dia radiante, no qual comecei a rever minha questão de quem era meu pai

de 2018 para 2022 cinco dias dos pais se passaram, e em cada um deles revejo um pouco mais a questão de quem seria meu pai, passei a perguntar que pai sou eu, ou como me formei pai, e certamente foi com os vazios deixados por ti, por olhar suas atitudes e vê-las como exemplos ao contrário, que estou cá me criando pai, mas também existem outras assinaturas da minha formação como pai, minha mãe, meu avô materno, meu dindo, meu analista (que tem o mesmo nome que meu pai biológico), meu sogro, primos, tios e meus grandes amigos que foram pais antes de mim

fora isto e, sobretudo, vou inventando a paternidade graças a minha companheira e as minhas filhas, como sinto orgulho delas e o quão sou grato a elas e a minha esposa por  me ajudarem a experimentar construir um pai em mim, de alguma forma aquele vazio angustiante vai passando a medida que Mônica e Martina crescem dentro e fora de mim, a cada conquista delas, a cada sofrimento que passamos, a cada angustia, a cada cansaço ou irritação que tenho por conta delas, a cada brilho nos olhos que elas me fazem ter, vou colorindo um desenho até então opaco do que seria um pai, hoje em dia este ser pai está cada vez mais colorido, cheio de tinturas que imprimem cores diversas a partir das experiências que a Gringa e a Goda me proporcionam enquanto Filhas

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

E agora Messias?


E agora, José?

A festa acabou,

a mito minguou,

o povo sumiu,

a sexta nocauteou,

e agora, José?

e agora, você?

você que é da Havan,

que zomba dos outros,

você que faz arminha,

que mata e contesta?

e agora, José?


Está sem dinheiro,

está sem curso,

está sem gasolina,

já não pode beber,

já não pode fumar,

Comer já não pode,

a sexta esfriou,

o dia não veio,

A vacina não veio,

o auxílio não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo roubou

e agora, José?


E agora, José?

Sua canalha palavra,

seu instante de delírio,

sua gula e milícia,

sua loja de chocolate,

sua mansão de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio — e agora?


Com a arma na mão

quer matar até a porta,

não existe porta;

Não tem como se defender,

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas não há mais.

José, e agora?


Se você saísse

se você caísse,

se você tocasse

a marcha fúnebre,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse...

Mas você não morre,

você é duro, José!


Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha, José!

José, para o impeachment!

domingo, 12 de julho de 2020

Sobre sonhar e acordar


Jogo de bola
Pé de caju
Folha que olha e sente com a mão,
Rola e enrola pra comer como um pão
Sambinha da fralda molhada na ponta do pé
Dança que embala qualquer coração
Mini Pic beats das reboladinhas
Brinca que brinca até a exaustão
Exaustão dela?
Claro que não...
Experimentação!
Fica cansado quem está ao seu lado
Pois conhecer mundos dá é disposição
Seu brilho no olhar
Sorriso a encantar
Mesmo cansado, faz a gente voar
Depois a noitinha
Tem a hora do banho
Já com preguiça,
Borbulha em bacia de nanar...
Cantar
Contar dedinhos
Descobrir pezinhos
Mergulhar
Desejar
É assim que passa o dia até a noite a se inventar

terça-feira, 2 de junho de 2020

isto se chama amor

do tempo que passa, dos detalhes descobertos, da máquina boca-desejante a matar curiosidades na vida, do amor sem palavras...
família em transmundos, micronascimentos de ser pai, ser mãe, ser bebê a conhecer a vida.
se encontrar pela primeira vez com a água descendo feito cachoeira no banho de chuveiro, sentir os primeiros dentinhos nascendo, maravilhar-se e ter medo de uma piscina de bolinhas: bebê em um vir a ser contagiante, que convoca mãe-pai - babões - a um devir tb bebê...
regride-se um bocado da condição adulta para ser digno de testemunhar as primeiras vezes na vida do serzinho mais amado que poderia existir, regride-se e não se cansa de regredir até o ponto que nem se sabe o que um dia já se foi, pouco importa este Eu que reinou por tanto tempo, o bebê o caduca, desterriorializa qualquer mãe-pai que se arrisquem a entrar nessa viagem.
Não é fácil, mas isto se chama amor....

domingo, 22 de março de 2020

sobre melancolia e utopia


Por uma melancolia utópica

O filme Melancolia (2011), de Lars Von Trier, nos conta sobre o antagonismo dos sentidos de vida de duas irmãs. O diretor reparte a película em dois momentos, cada um com os nomes das respectivas personagens. A parte um chama-se Justine, a mais nova, e trabalha com foco maior na personagem que personifica, dentro de uma sociedade da imagem, do consumo como valor universal de felicidade, aquela que fura, com sua falta de sentido, toda essa convocação contemporânea de brilhantismo. O casamento de Justine é um desastre e suas relações parecem uma imposição pelas convenções sociais que requisitam uma máscara que teatraliza sempre um sorriso no rosto acinzentado. Ela e sua irmã, Claire, são antagônicas e por isso a cada encontro, sobretudo Claire, se assombra com o desdém da irmã quanto a tudo que a primeira valoriza, no caso, essa vida mínima vendida em mercadorias, na qual tudo ganha uma embalagem atrativa, uma promessa de gozo. Justine resiste, insiste em não acreditar nessa vida regida pelas imagens-fluxos do Mercado. Alguns olhos podem, no sentido de uma completa desindentificação com o Outro capital, restando apenas um vazio inenarrável, colocar a personagem em uma posição melancólica. Não existe nada que pareça alimentar Justine de sentidos nisto que se chama vida. É um desânimo de viver...
A parte dois predomina o desmoronar dos territórios existenciais tão bem edificados por Claire, seus sentidos vão se esvaziando à medida que um planeta inesperado colide com a terra, destruindo seu mundo. Neste segundo momento, Claire vai ficando cada vez mais desesperada, pois sustentou-se em vida a partir de verdades compradas, por convenções sociais que apontavam para um norte que seguia de maneira sobreimplicada. Desamparada como um cordeirinho sem pastor, a cada minuto da segunda parte do filme, mostrava sua incapacidade de abraçar esse destino que se impôs de maneira inesperada. Como uma marionete que só se mexe com as mãos de um Outro, acaba paralisada para lidar com a falência do que a governa e que lhe oferecia, até então, um caminho restrito mas seguro a seguir. Morre antes mesmo do mundo desaparecer...
O detalhe é que nesta última parte da obra cinematográfica, Justine começa a se habitar de promessa de vida, a falência dos sentidos do mundo a partir da aproximação de seu fim lhe enche de potência. Com absoluta coragem se entrega a este inesperado que faz despencar mundos. Justine, antes melancólica, se transfigura em uma personagem trágica-utópica, pois nunca amou tanto um destino que lhe invadia e, ao mesmo tempo, pisava com força no terreno que sempre habitou, no caso, a negação desse lugar que até então lhe sujeitavam a viver quando enlaçada pelas convenções sociais. Nunca acreditou no mundo que a vendiam, sua transferência para este discurso do capitalista há muito tempo estava liquidada e, vislumbrar sua decadência, o desaparecimento de um enlace que somente a enforcava, trazia o maior dos alívios.
Resgato este clássico para pensar as circunstâncias que se abatem sobre o nosso mundo na atualidade. Creio que temos algo similar ao filme e ao mesmo tempo inesperadamente singular acontecendo. O mundo parece desmoronar sobre nossas cabeças, não por um planeta em colisão com a terra, mas por um vírus gripal. O real emudeceu as possibilidades discursivas, e parece que uma ressaca marítima transbordou as margens da praia e levou consigo todas as pegadas, os direcionamentos que sustentavam os caminhantes. Temos um espaço liso para deslizar, para habitar, uma convocação para a invenção de novos passos-mundos nos faz questão. Em outras palavras, essas mais freudianas, o desamparo retornou com toda força que lhe cabe, e talvez, não à toa, alguns pastores se negam a fechar seus templos e mitos resistem a pisar no terreno da realidade. Temos uma ameaça eminente de desnorteamento, com a qual, sobretudo aqueles que se autonomeiam pastores ou mitos, ficam desesperados. Como demônios exorcizados ficam a se debater e a gritar suas palavras de ordem caducadas.
Contudo, e o mais importante a destacar, é que cada um, em suas prisões domiciliares pela quarentena, assinada ou não pelos chefes de estado de cada país, tem a possibilidade de se sentir um bocado patético por sustentar e se sujeitar a este mundo que prioriza o mercado e não as pessoas. A Claire de cada um se apresenta espantada com a falência de um sistema que nunca esteve voltado para as pessoas, afinal, já nos avisara Marx e Lacan, o Estado é apenas o balcão de negócios da burguesia e é para isso que ele opera, com o qual participamos no papel de servos, sem possibilidade de desejar. A eminência deste mundo ruir nos assombra, esquecê-lo não é fácil, a praia está lisa de pegadas, mas não há muitos transeuntes a se arriscarem a percorrê-las no momento... quem dará o próximo passo?
Quem dará e como será este passo, talvez, no momento, não importa tanto, pois temos que primeiramente aprender a lidar com a angústia novamente, a sustentar essa posição de não saber, do deserto de pegadas e destinos, da vontade de nada que o capitalismo nos roubou para gerenciar como instituição norteadora da vida na atualidade. Quem sabe, sem a sustentação de um passado destronado, rabiscar futuros se fará possível? Intuo que estamos sendo convocados a deslizar por outras experiências de relações sociais a partir dessa desaceleração da vida que nos tomou. Cidades estão menos poluídas, em Veneza, em seus canais antes tomados por uma coloração escurecida e fétida, se vê peixes em águas esverdeadas. Será que nós, humanos, também não podemos aproveitar essa onda para nos despoluirmos um pouco de nosso mestre? O momento é de convocação à humanidade na produção desejante de movimentos que nos distanciem a tal ponto do sistema capitalista que não consigamos mais lembrar o caminho de casa. Perdidos e cambaleantes, caso tenhamos a coragem de Justine de não ficar pregada em nenhuma cruz, poderemos presentear a deusa Gaia com uma humanidade mais inventiva, colisão sem volta.